29 de dezembro de 2005
Memórias de um Chapéu
Fado: Cunha e Silva
Quisera então saber toda a verdade
De um chapéu na rua entrado
Trazendo a esse dia uma Saudade
Algum segredo antigo e apagado
Sentado junto a porta desse encontro
Ficando sem saber a quem falar
Parado sem saber qual era o ponto
Em que devia então eu começar
Parada na varanda estava ela a meditar
Quem sabe se na chuva, no sol, no vento ou no mar
E eu, ali parado, perdido a delirar
Se aquela beleza era meu segredo a desvendar
Porém, apagou-se a incerteza
Eram traços de beleza
os seus olhos a brilhar
E vendo que outro olhar em frente havia
Só não via quem não queria
Da paixão ouvir falar
Um dia, entre a memória e o esquecimento
Colhi aquele chapéu envelhecido
Soltei o pó antigo entregue ao vento
Lembrando aquele sorriso prometido
As abas tinham vincos mal traçados
Marcados pelas penas ressequidas
As curvas eram restos enfeitados
De um corte de paixões então vividas
Parada na varanda estava ela a meditar
Quem sabe se na chuva, no sol, no vento ou no mar
E eu, ali parado, perdido a delirar
Se aquela beleza era meu segredo a desvendar
Porém, apagou-se a incerteza
Eram traços de beleza
os seus olhos a brilhar
E vendo que outro olhar em frente havia
Só não via quem não queria
Da paixão ouvir falar
22 de novembro de 2005
Marquês de Belas
Fado Mouraria
O velho Marquês de Belas
Foi sempre um bom português
Foi cavaleiro afamado
Bom forcado muita vez
Grande embaixador de el Rei
Sempre serviu Portugal
Por amor venceu a lei
Naquele duelo mortal
Falava aos novos, contava
O que viu o que passou
Nas cortes por onde andava
Quantos romances contou
Era velho não cansava
Praguejava duramente
Contra a força que ocupava
No reino da nossa gente
Deu o corpo a Santarém
Onde jaz grande soldado
Quem nunca traiu ninguém
E sentiu o nosso fado
10 de novembro de 2005
Fado da Internet
Letra e Música: Daniel Gouveia
O Fado p'ra ser castiço
não é, por isso,
antiquado.
Deve, até, ser "p'ra frentex"
e assim é que se
trata hoje o Fado.
Graças ao computador,
p´ra se compor
com grande afã,
digita-se um teclado
e o resultado
vê-se no "écran".
Pode-se falar de tascas,
rameiras rascas,
vida indecente,
mas não se vai à taberna
e quem alterna
é a corrente.
Pode o faia ser gingão,
falar calão,
andar à crava,
pode a fadista usar xaile,
mas é num "file"
que isto se grava.
Para que a gralha se evite,
faz-se um "delete"
e, a seguir,
se a memória já não vive,
faz-se "retrieve"
no mesmo "dir".
"Enter" que estás a agradar,
convém salvar,
se a coisa interessa.
Mal a letra se define,
com "print screen"
sai logo impressa.
Com o título ninguém teime:
faz-se "rename",
nem se discute.
E, se a CPU pendura,
tudo tem cura,
basta um "reboot".
Guitarras virtualizadas,
vozes filtradas
por fios eléctricos,
o Fado activa circuitos
e os seus intuitos
são cibernéticos.
Já não se escreve em toalha
a boa malha
que vem à mente.
Esse bom tempo findou-se,
agora é "windows"
o ambiente.
O Fado é feito com "bits",
em "micro-chips",
mora em "disquette",
mas não deixa de ser Fado.
Está paginado
na "Internet".
Que Deus me perdoe
Música: Frederico Valério
Se a minha alma fechada
Se pudesse mostrar,
E o que eu sofro calada
Se pudesse contar,
Toda a gente veria
Quanto sou desgraçada
Quanto finjo alegria
Quanto choro a cantar...
Que Deus me perdoe
Se é crime ou pecado
Mas eu sou assim
E fugindo ao fado,
Fugia de mim.
Cantando dou brado
E nada me dói
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado
Que Deus me perdoe.
Quanto canto não penso
No que a vida é de má,
Nem sequer me pertenço,
Nem o mal se me dá.
Chego a querer a verdade
E a sonhar - sonho imenso -
Que tudo é felicidade
E tristeza não há.
A casa da Mariquinhas
Música: Alfredo Duarte (Marceneiro)
É numa rua bizarra
A casa da Mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
E janelas com tabuinhas
Vive com muitas amigas
Aquela de quem vos falo
E não há maior regalo
Que a vida de raparigas
É doida pelas cantigas
Como no campo a cigarra
Se canta o fado à guitarra
De comovida até chora
A casa alegre onde mora
É numa rua bizarra
Para se tornar notada
Usa coisas esquesitas
Muitas rendas, muitas fitas
Lenços de cor variada.
Pretendida, desejada
Altiva como as rainhas
Ri das muitas, coitadinhas
Que a censuram rudemente
Por verem cheia de gente
A casa da Mariquinhas
É de aparência singela
Mas muito mal mobilada
E no fundo não vale nada
O tudo da casa dela
No vão de cada janela
Sobre coluna, uma jarra
Colchas de chita com barra
Quadros de gosto magano
Em vez de ter um piano
Tem na sala uma guitarra
P'ra guardar o parco espólio
Um cofre forte comprou
E como o gaz acabou
Ilumina-se a petróleo.
Limpa as mobílias com óleo
De amêndoa doce e mesquinhas
Passam defronte as vizinhas
P'ra ver o que lá se passa
Mas ela tem por pirraça
Janelas com tabuinhas
2 de novembro de 2005
FADO DE UM BLOGGER TRISTE
Musica: escolham
Estou triste, triste confesso
Se calhar tou é possesso
Por emails não receber
Mandem me letras de fado
Senão o blog tá acabado
Vai decerto desaparecer
É tão fácil enviá-los
É só escrever e mandá-los
Nem é preciso disquete
E quando eu os receber
Só há uma coisa a fazer
Que é postá-los na net
27 de outubro de 2005
Cavalo à solta
Música: ??
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve, breve
instante da loucura
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa
Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura
Ironia
Música: ??
Na vida de uma mulher
Por muito séria que a tomem
Há sempre um homem qualquer
Trocado por qualquer homem
O homem com dor sentida
Ou com sentido prazer
Deixa pedaços de vida.
Na vida de uma mulher
Embora terna e amante
Jurando amar um só homem
A mulher não é constante
Por muito séria que a tomem
Tanto vale a mulher bela
Como a mais feia mulher
Perdido de amor por ela
Há sempre um homem qualquer
E por mais amor profundo
Por mais juras que se somem
Há sempre um homem no Mundo
Trocado por qualquer homem
Sorriso
Música: ??
Ando há muito apreensivo
Sem perceber o motivo
De gostar tanto de ti
És desenvolta, engraçada
E a gente prendesse ao nada
D´ uma Mulher que sorri
Não é amor, eu não tenho
Nem leve sombra de empenho
De ser amado por ti
Fica minha alma serena
Entre essa boca pequena
Que eternamente sorri
Deus queira que a tua vida
Seja uma estrada florida
E nunca estejas zangada
Deus te dê sempre bons dias
Porque eu só quero que rias
Porque eu não quero mais nada
Amor é água que corre
Música: Marcha de Alfredo Marceneiro
Amor é agua que corre
Tudo passa tudo morre
Que me importa a mim morrer
Adeus cabecita louca
Hei-de esquecer tua boca
Na boca d´outra mulher
Amor é sonho, é encanto
Queixa mágoa, riso ou pranto
Que duns lindos olhos jorre
Mas tem curta duração
Nas fontes da ilusão
Amor é agua que corre
Amor é triste lamento
Que levado p´lo vento
Ao longe se vai perder
E assim se foi tua jura
Se já não tenho ventura
Que me importa a mim morrer
Foi efémero o desejo
Do teu coração que vejo
No bulício se treslouca
Onde nascer a diferença
Há-de morrer minha crença
Adeus cabecita louca
Tudo é vário neste mundo
Mesmo o amor mais profundo
De dia a dia se apouca
Segue a estrada degradante
Que na boca d´outra amante
Hei-de esquecer tua boca
Hei-de esquecer o teu amor
O teu corpo encantador
Que minha alma já não quer
Hei-de apagar a paixão
Que me queima o coração
Na boca d´outra mulher
13 de outubro de 2005
Até o Rei ia ao Fado
Música: António Pires Ascenção (Tó Moliças) / Carlos Macedo
Para o mundo ser perfeito
Deus com o seu divino jeito
Pôs fado no meu país
Com esta prenda divina
Ninguém no mundo imagina
Quanto Deus me fez feliz
ESTRIBILHO
Até o Rei ia ao fado
Embuçado tanta vez
Não ia só por ser Rei
Mas sim por ser português
Eu que sou da mesma raça
Não venho cá por desgraça
Nem p'ra beber carrascão
Venho neste fado amigo
Falar-vos dum povo antigo
Rei do fado por condão
ESTRIBILHO
Para a Deus agradecer
Tudo quanto sei dizer
É obrigado mil vezes
E ao fado não façam guerra
Porque Deus quere-o na terra
Enquanto houver portugueses
ESTRIBILHO
12 de outubro de 2005
Perdão, façam favor de me dizer
Letra: ???
Perdão, façam favor de me dizer
Se viram por aí, o velho fado
Um tipo da boémia e do prazer
Assim um tudo ou nada, já cansado
Usava calça estreita e uma samarra,
Chapéu à marialva e bota branca
Eu vinha cá trazer-lhe, uma guitarra,
Pra inda ir-mos hoje, a Vila Franca
Pois eu. Já percorri, Alfama inteira e não o vi
Subi ao Bairro Alto e ao Charquinho, dei um salto
Já fui à Madragoa, já corri meia Lisboa
E ainda se calhar, lá pró Ferro de Engomar
Pois bem, vou até à Mouraria,
Tristonha e que sombria,
A moirama está agora
E ali, nas vielas do passado,
Já ninguém conhece o fado,
Ninguém sabe onde ele mora
Eu tinha combinado irmos aos toiros,
Os dois, eu e o fado, na tipóia
O nosso batedor, o mata-moiros,
Levava-nos à noite, prá ramboia
Cear, o bacalhau, como é costume,
Ali, de canjirão, e banza ao lado
O fado, que até cheio de ciúme,
Faltou-nos desta vez, ao combinado
4 de outubro de 2005
Sou do Fado
Música: Júlio de Sousa (Fado Loucura)
Sou do Fado
Como o sei
Vivo um poema cantado
De um Fado que eu inventei
A falar
Não posso dar-me
Mas ponho a alma a cantar
E as almas sabem escutar-me
ESTRIBILHO
Chorai, chorai
Poetas do meu país
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou
E se vocês, não estivessem a meu lado
Então não havia Fado
Nem fadistas como eu sou
Esta voz
Tão dolorida
É culpa de todos vós
Poetas da minha vida
É loucura
Oiço dizer
Mas bendita esta loucura
De cantar e de sofrer
ESTRIBILHO
Lenda das Rosas
Música: D.R. (Fado da Horas)
Na mesma campa nasceram
Duas roseiras a par
Conforme o vento as movia
Iam-se as rosas beijar
Deu uma, rosas vermelhas
Desse vermelho que os sábios
Dizem ser a cor dos lábios
Onde o amor põe centelhas
Da outra, gentis parelhas
De rosas brancas vieram
Só nisso diferentes eram
Nada mais as diferençou
A mesma seiva as criou
Na mesma campa nasceram
Dizem contos magoados
Que aquele triste coval
Fora leito nupcial
De dois jovens namorados
Que no amor contrariados
Ali se foram finar
E continuaram a amar
Lá no Além, todavia
E por isso ali havia
Duas roseiras a par
A lenda, simples, singela,
Conta mais: que as rosas brancas
Eram as mãos puras, francas
Da desditosa donzela
E ao querer beijar as mãos dela
Como na vida o fazia
A boca dele se abria
Em rosas de rubra cor
E segredavam o amor
Conforme o vento as movia
Quando as crianças passavam
Junto à linda sepultura
Toda a gente afirma e jura
Que as rosas brancas coravam
E as vermelhas se fechavam
Para ninguém lhes tocar
Mas que, alta noite, ao luar
Entre um séquito de goivos
Tal qual os lábios dos noivos
Iam-se as rosas beijar
Saudades do Brasil em Portugal
O sal das minhas lágrimas de amor
Criou o mar que existe entre nós dois
Para nos unir e separar
Pudesse eu te dizer
A dor que dói dentro de mim
Que mói meu coração nesta paixão
Que não tem fim
Ausência tão cruel
Saudade tão fatal
Saudades do Brasil em Portugal
Meu bem, sempre que ouvires um lamento
Crescer desolador na voz do vento
Sou eu em solidão pensando em ti
Chorando todo o tempo que perdi
3 de outubro de 2005
Triste Sorte
Música: Alfredo Rodrigo Duarte Marceneiro (Fado Cravo)
Ando na vida à procura
De uma noite menos escura
Que traga luar do céu
De uma noite menos fria
Em que não sinta agonia
De um dia a mais que morreu
Vou cantando amargurado
Mais um fado e outro fado
Que fale de um fado meu
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu
Ser fadista é triste sorte
Que nos faz pensar na morte
E em tudo o que em nós morreu
Andar na vida à procura
De uma noite menos escura
Que traga luar do céu
O objectivo é bem simples: angariar e expor o máximo de letras de fados possível (de preferência com o nome do autor e o fado onde a letras costuma ser cantada).
Para tal vou precisar da vossa ajuda, por isso enviem-me o que tiverem e souberem por mail para manuel_marcal@hotmail.com.
Fico á espera.
Um abraço,
Manel